“Esse princípio permite uma compreensão do significado econômico, social, histórico, político e cultural das ciências e das artes. Dessa forma, assumir o trabalho como princípio educativo [...] implica referir-se a uma formação baseada no processo histórico e ontológico de produção da existência humana, em que a produção do conhecimento científico é uma dimensão. Por exemplo, a eletricidade como força natural abstrata existia mesmo antes de sua apropriação como força produtiva, mas não operava na história. Enquanto era uma hipótese para a ciência natural, era um “nada” histórico até que passa a se constituir como conhecimento que impulsiona a produção da existência humana sobre bases materiais e sociais concretas (RAMOS, 2005). Nesse sentido, compreende-se que uma prática pedagógica significativa decorre da necessidade de uma reflexão sobre o mundo do trabalho, da cultura desse trabalho, das correlações de força existentes, dos saberes construídos a partir do trabalho e das relações sociais que se estabelecem na produção. Essa reflexão sobre o trabalho como princípio educativo deve constituir-se em um movimento na busca da unidade teoria e prática, e consequentemente na superação da divisão capital/trabalho – uma utopia necessária. Assim, é fundamental atentar para o fato de que o trabalho como princípio educativo não se restringe ao “aprender trabalhando” ou ao “trabalhar aprendendo”. Está relacionado, principalmente, com a intencionalidade de que através da ação educativa os indivíduos/coletivos compreendam, enquanto vivenciam e constroem a própria formação, o fato de que é socialmente justo que todos trabalhem, porque é um direito subjetivo de todos os cidadãos, mas também é uma obrigação coletiva porque a partir da produção de todos se produz e se transforma a existência humana e, nesse sentido, não é justo que muitos trabalhem para que poucos enriqueçam cada vez mais, enquanto outros se tornam cada vez mais pobres e se marginalizam – no sentido de viver à margem da sociedade”. Moura, D. H., 2007 |
O trabalho como princípio educativo é tratado na EPT como uma proposta de estratégia político-educativa que tenha uma perspectiva emancipadora. Por isso, é um conceito vértice dos dialogados neste Produto Educacional. Para Saviani (1986, p. 14):
Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho, pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho.
Assim como Saviani informa que a sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo de trabalho, Marx (1984, P. 105-106) vem explicar o que seria o “trabalho produtivo” na sociedade do capital:
a produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre a atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar. (Marx, 1984, p. 105-106)
O trabalho como princípio educativo juntando os termos “trabalho” e “educação” vem então para assumir o caráter formativo do trabalho e da educação como ação humanizadora por meio do desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano.
Como mencionado pelo professor Dante Henrique Moura, não é simplesmente “aprender trabalhando” ou “trabalhar aprendendo”, mas sim superar o academicismo clássico de uma profissionalização estreita – a pedagogia da fábrica - para a apropriação do saber articulado ao mundo do trabalho (Kuenzer, 1989).
O trabalho como princípio educativo visa a conceder ao estudante o saber que lhe permita participar do processo político e do sistema produtivo da sociedade a partir da compreensão dos movimentos sociais que determinam seu modo de vida e sua concepção de mundo e da vida.
A professora Kuenzer (1989, p. 23) manifesta:
[...] a diversidade na oferta do ensino de 2º grau, concretizada na dualidade estrutural, expressa o velho princípio educativo humanista tradicional, que previa a necessidade de formar dirigentes, que não exerceriam funções instrumentais, mas sim funções intelectuais, as escolas de educação geral, que ensinavam as artes, a literatura, a cultura universal; e para formar as gerações de trabalhadores, as escolas profissionais.
Esta dualidade estrutural, aparentemente democrática por pretender permitir a mobilidade social, é conservadora na raiz, por seu conteúdo de classe, e não por sua forma; ou seja, não é por ser profissionalizante ou por conferir saber técnico que uma escola de 2º grau é de segunda categoria, mas sim por se dirigir a uma classe social determinada – a classe trabalhadora. Aos trabalhadores deve-se assegurar a posse dos mecanismos operacionais, o saber prático, parcial e fragmentado, e não a posse do saber científico e técnico contemporâneo, socialmente produzido.
Isso, pois o conhecimento hierarquiza trabalhadores. Assim, o que exerce um trabalho intelectual tende a ser mais valorizado na sociedade do capital do que o que exerce um trabalho manual. Entretanto, para Tardif (2005, p. 10): “no âmbito dos ofícios e profissões [...]: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer”.
No caso dos servidores assistentes em administração, sua formação enquanto educador dá-se em grande parte durante sua experiência profissional:
É por e em um processo específico de socialização, ligando educação, trabalho e carreira, que essas identidades se constroem no interior de instituições e de coletivos que organizam as interações e asseguram o reconhecimento de seus membros como “profissionais. (Dubar, 2012, p. 353).
TOME NOTA, ASSISTENTE EM ADMINISTRAÇÃO! A sua atividade diária impacta diretamente na formação do estudante. O seu compromisso social de emancipar o jovem do IFMT deve ser observado em todas as suas atitudes no cumprimento de suas funções. Todos na escola são educadores, uma vez que transmitem valores e saberes em suas relações. “Todas as pessoas que trabalham na escola realizam ações educativas, embora não tenham as mesmas responsabilidades nem atuem de forma igual”. (Libâneo, 2018, p. 41) Ao se tratar do trabalho do servidor assistente em administração na EPT, imbuídos desse raciocínio, é fundamental apreender que uma vez dominando a ontologia do trabalho, maior fluidez será dada ao processo educativo do discente, quando por exemplo este adentra à sala da secretaria de curso para buscar solução administrativa a um problema posto, visto que haverá a clareza da relação entre o fazer administrativo para solução do fazer pedagógico ao discente. Te convido a assistir o vídeo “Videoanimação – O trabalho como princípio educativo no Ensino Médio Integrado do IFNMG”, produzido pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YIgGbazhirg |
Referências bibliográficas e sugestões de leitura
DUBAR, C. A construção de si pela atividade de trabalho: a socialização profissional. Cadernos de Pesquisa. v. 42, n. 146, p. 351-367, mai/jun 2012. Disponível em https://www.scielo.br/j/cp/a/zrnhPNJ4DzKqd3Y3nq7mKKH/abstract/?lang=pt. Acesso em 04 set. 2023.
KUENZER, A. O trabalho como princípio educativo. Cad. Pesq., São Paulo (68): 21-28, fevereiro 1989. Disponível em http://educa.fcc.org.br/pdf/cp/n68/n68a02.pdf. Acesso em 31 ago. 2023.
MARX, K. O capital. V. I, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
MOURA, D. H. Educação básica e educação profissional e tecnológica: dualidade histórica e perspectivas de integração. Holos, ano 23, vol. 2 – 2007. Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/56223175/texto-dante-matriz-relacional. Acesso em 04 set. 2023.
SAVIANI, D. O nó do ensino de 2º grau. Bimestre, São Paulo: MEC/ INEP – CENAFOR, n. 1, out. 1986.
SOUSA, J. de A. Desafios e papel do Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade de Brasília. Brasília, 2019, 114 p. Disponível em file:///D:/mestrado%20ProfEPT/Embasamento%20te%C3%B3rico/2019_JaquelinedeAlmeidaSousa.pdf. Acesso em 4 set. 2023.
TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia de uma prática profissional dos professores e suas consequências em relação à formação para o magistério. ANPED, São Paulo, n. 13, p. 5- 24, jan./abr. 2000. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=s1413-24782000000100002&script=sci_abstract. Acesso em: 04 set. 2023.
TUMOLO, P. S. O trabalho na forma social do capital e o trabalho como princípio educativo: uma articulação possível? Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 90, p. 239-265, jan./abr. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/CGxwcBD8DNnsn5s4vxMqqFt/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 29 ago. 2023.
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